domingo, 12 de dezembro de 2010

O que NÃO É Clarice Lispector (embora o Google teime em dizer o contrário)

Muito se diz sobre o que É de autoria de Clarice Lispector. Hoje eu quero falar sobre o que NÃO É.

Para começar, o poema Mude, cuja frase mais famosa é MUDE. Mas comece devagar, porque a direção é mais importante que a velocidade”. E foi até mesmo utilizado em um comercial da Fiat , não é de Clarice Lispector mas de Edson Marques que, em seu blog, fala mais sobre o assunto.

A frase "Pessoas felizes não têm as melhores coisas. Elas sabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em seus caminhos." também é constantemente atribuída à Clarice Lispector. E eu me pergunto: por quê? Não sei se em alguma parte na carreira de Clarice ela escreveu algo do tipo, porque nem mesmo com estilo as pessoas que fazem com que isso circule com a assinatura dela se importam. Difícil.

Outra coisa que gera muita confusão na internet são os poemas “escritos” por ela. Mas, o caso é que ela não escreveu nenhum! O que aconteceu é que um padre chamado Antonio Damázio fez algumas modificações na obra da Clarice sem mudar as palavras, mas dividindo a prosa em versos pois acreditava que ela fazia poesia em prosa.

Esse que, após ser lido de cima pra baixo, deve-se ler ao inverso é o que mais rola pela internet:

“Não Te Amo Mais
Estarei mentindo dizendo que,
Ainda te quero como sempre quis,
Tenho certeza que,
Nada foi em vão,
Sinto dentro de mim que,
Você não significa nada,
Não poderei dizer mais que,
Alimento um grande amor
Sinto cada vez mais que,
Já te esqueci,
E jamais usarei a frase,
Eu te amo
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais.

Também em sua obra não é possível encontrar nenhum tipo de texto motivacional. Não é o tipo de Clarice, por favor. O poema “O sonho” foi lido no programa da Ana Maria Braga e atribuído à Clarice:

"Sonhe com aquilo que você quiser.
Seja o que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que quer.

Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz."

Um que muito me incomoda como leitora de Clarice é o intitulado “Eu adoro voar”, um trecho dele:

Gosto dos venenos mais lentos, das bebidas mais amargas, das drogas mais poderosas, das idéias mais insanas, dos pensamentos mais complexos, dos sentimentos mais fortes.
Tenho um apetite voraz e os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar de um penhasco q eu vou dizer:
- E daí? EU ADORO VOAR!”

Devemos nos lembrar que Clarice nem sempre escrevia com “sua caneta”, digamos assim. Ela publicou durante muito tempo no Correio Feminino com pseudônimos, e esse texto, embora não pareça, É comprovadamente dela:

Cultive sua boa aparência

A boa aparência faz com que a pessoa se sinta mais feliz e com um sentimento de segurança que muito a ajudará na vida. A boa opinião que fazem de nós é na realidade muito mais importante do que admitimos a nós mesmos. (…) Com todos os recursos que temos nos dias de hoje, a mulher não pode ser feia, e só será se o quiser, deliberadamente. (…) A maior parte dos problemas de personalidade desaparecem com a melhora da aparência geral. Pelo fato de estar mais bonita, a muher se sentirá feliz e terá mais possibilidades de viver uma vida produtiva, cercada de amigos e pessoas a quem deseja ajudar. Sim, porque a beleza da mulher pode e deve ser cultivada, não somente para a vaidade e satisfação própria, mas para seu respeito e para a satisfação de sua família e seus amigos.

A gente acredita no potencial de todo mundo e todo dia a gente repete (o tempo todo) que todo mundo tem como se conhecer melhor, se entender melhor, adaptar personalidades e mudanças ao guarda-roupa e assim todo mundo tem como se apresentar melhor, sempre. E parece que não estamos sozinhas, né?

Desconfio que isso dificulte a reconhecer o que, de fato, é dela. Desconfio também que essa mudança de habitat seja uma facilidade para que obras apócrifas sejam relacionadas a ela.

Finalmente, um trecho que vejo muito no Orkut como sendo de sua autoria e que até hoje não consegui identificar (nem encontrar nada a respeito) se é dela é esse,embora tenha minhas desconfiaças de que não seja:

"Olhe, tenho uma alma muito prolixa
e uso poucas palavras.
Sou irritável e firo facilmente.
Também sou muito calma
e perdôo logo.
Não esqueço nunca.
Mas há poucas coisas
de que eu me lembre".

Sobre outros casos, achei esse texto: http://www.sotextos.com/assinaturas_conflitantes.htm

Mas, para ter certeza do que é Clarice Lispector, esse texto maravilhoso na voz de Aracy Balabanian: http://www.youtube.com/watch?v=9jpxcIxyNy8&feature=player_embedded


sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Resultado do desafio dos Beatles

Os dois únicos leitores que responderam o post foram os vencedores dos dois livros. Ambos acertaram todas as músicas. Pedimos que os dois entrem em contato pelo geleiageral001@gmail.com para que possamos pegar seus dados e enviar os livros pelo correio. Parabéns pro Otávio Campos e pra Paula!

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Não há nada que você cante que não possa ser cantado

Uns meses atrás, enquanto curtia meu momento (tardio) de beatlemaníaca, fui tomada pela súbita vontade de transformar aquelas músicas em poemas. Comecei por Something, que virou “Negação”, já conhecido do público do Eco e do meu blog. E depois não fiz mais nada. Até que há aproximadamente 3 semanas, quando pensava num projeto final para uma oficina de criação literária, lembrei dessa idéia e resolvi montar o The Beatlemania Project (nome horrível, eu sei): peguei 18 músicas, ouvi à exaustão, copiei as letras, li e reli incontáveis vezes e tirei, dali, 18 poemas. O resultado final deve aparecer em livro no ano que vem, na coletânea da oficina, mas resolvi trazer 7 dos poemas pra cá e lanço então um desafio: durante a leitura do poema, tente adivinhar a qual música ele se refere. As duas pessoas que acertarem mais e mais rápido ganham, cada uma, um livro (O porte, do Rogério Tadeu, ou Deus sabe de tudo e não é dedo-duro, do Juliano Nery) e um marcador dos Beatles (que veio diretamente de Londres).


melhor

manter sempre
sob a pele
no peito
dentro, fora

a cada dor a pausa
e a certeza de que

não se entregar esfria
mais que si
o entorno

no ombro o movimento
não o mundo

*

fogo

e minha certeza
sempre foi de que

sim:
ela era minha

na cabeça, o filme –
nenhuma cadeira
vinho
tapete
banheiro às duas da manhã
(no fundo a gargalhada) –
longe, o ruído das asas

mas não:
eu era dela

*

caminho de casa

nós duas dirigimos
(ainda sem chegar)

e mandamos postais
e escrevemos cartas em muros
e rasgamos livros
e queimamos fósforos
e vestimos casacos sob o sol de domingo
e arranhamos discos
e procuramos papéis
e arrancamos adesivos
e gastamos o suado dinheiro de alguém
e quebramos cadeiras
e estilhaçamos copos

enquanto isso –
é melhor acreditar:
voltar pra casa
não importa

nenhuma estrada supera
a extensão das memórias

*

decolagem

uma vida inteira
por um momento

voa

para dentro da luz
da noite

*

uma dose

em espelhos de arco-íris
não sinto mais que mãos de veludo

segura em meus braços
dedo como gatilho
não há quem possa me fazer mal
você é quente
e a felicidade

também

*

lição número 1

é fácil:
você aprende o jogo
você entra no ritmo
você faz mais um poema

sobre como o amor não é nada
além de

tudo

que você precisa

*

era uma vez

nos olhos as luzes
douradas

reflexo de quando era possível
voltar

pra casa

terça-feira, 16 de novembro de 2010

"Ou não... Contracultura, poesia, música e outras esquinas"


Release:
Recuperando o espírito beat das leituras poéticas unidas à música, "Ou não..." faz um passeio não-linear e descompromissado pelo universo da contracultura, partindo de precursores beatniks (como Allen Ginsberg, Jack Kerouac e Gary Snider), passando por Torquato Neto e poetas da poesia marginal dos 70 (Leminski, Chacal, Leila Micolis e Marta Medeiros) e desembarcando em JF, em pleno Kaos do terceiro milênio com textos do poeta André Monteiro, que também divide as leituras com Bruno Tuller, Edwald Winand, Edson Leão e a atriz Lívia Gomes.
Costurando esse "sarau underground", canções brasileiras que puseram o pé na estrada em meio à ditadura, ao "desbunde", à descompressão do corpo e do espírito via sexo, política, drogas e rock 'n' roll. Tropicalistas, Clube da Esquina, nordestinos... Malditos... ou não...
Fechando o ritual, mais uma dose de rock e canções setentistas em versões acústicas com a Fantástica Banda Invísivel.
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Ficha técnica:
"Arremate" cênico : Marcos Marinho
Costura de textos e roteiro : "Encruzilhada da Contracultura" - André Monteiro (poeta e professor universitário), Bruno Tuller (historiador e compositor), Edwald Winand (historiador, compositor e livreiro), Edson Leão (cantor, compositor e jornalista), Valéria Leão Ferenzini (historiadora, cantora e compositora), Fabrícia Valle (musicista) e João Paulo Oliveira (poeta).
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"Ou não... Contracultura, poesia, música e outras esquinas"
acontece no dia 20 de novembro, sábado, a partir das 22h no Espaço Mezcla
(Rua Benjamin Constant, 720, Centro - JF).
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sábado, 2 de outubro de 2010

Drops GG#001: lançamentos (ou quase isso)

Perdido no meio de tantos lançamentos? Não sabe por onde começar? O GG#001 preparou "Lançamentos (ou quase isso)", um drops especial para ajudar você a se guiar pelas estantes e sites de livrarias. Poesia e prosa, estreantes e veteranos... tem de tudo, é só escolher.

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Em alguma parte alguma - Ferreira Gullar

Depois de 11 anos sem publicar nenhum livro de poesia (o último havia sido Muitas vozes, em 1999), Ferreira Gullar lança esse Em alguma parte alguma em momento especial: aclamado como o "maior poeta brasileiro em atividade", ele acaba de completar 80 anos e ser homenageado com o prêmio Camões. Assim como em livros anteriores de Gullar, os poemas de Em alguma parte alguma também carregam muito da pulsão de vida característica da literatura do autor, que aqui se contrapõe justamente à temática de grande parte dos poemas: a morte e algumas de suas variantes, como a eternidade e o silêncio: "e então me digo: / se o mundo dura tanto /e eu tão pouco / importa pouco / se ele não for eterno".


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Verão em botafogo - Thiago Camelo

O livro de estréia de Thiago Camelo traz poemas curtos, simples e é justamente nessa simplicidade que reside o lirismo dos textos, confirmando a tese de que geralmente exagero só serve mesmo para esconder falta de sensibilidade e talento. Verão em botafogo é, sem dúvida, um livro bonito e honesto, bem como o poema "Terra": "meus pés encontram o chão e faz sentido // eu, porto seu /você, porto meu // a vida não é uma abstração / se /estamos perdidos e juntos"






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Involuntário - Luiz Fernando Priamo

O autor começou a postar poemas em seu blog, o Otário Involuntário (através do qual é possível também adquirir o livro), e juntou esses textos a outros inéditos, formando assim o repertório do seu livro de estréia. Os poemas versam, em sua maioria, sobre o cotidiano e frequentemente trazem um tom irônico e de crítica, como em "Oco": "Passa a semana coçando, / na inatividade de sua vida. / Ao final de semana, dois dias, / um para pecar no puteiro, / outro para rezar por Maria."





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O único final feliz para uma história de amor é um acidente - J.P. Cuenca

Quinto livro da coleção Amores Expressos. João Paulo Cuenca foi a Tóquio e trouxe de volta um livro maluco sobre voyeurismo, bonecas infláveis, peixes venenosos e poetas. A primeira metade do livro é bem mais interessante, construindo uma bela tensão dramática que, infelizmente, não é realizada na segunda parte com tanta eficiência. De qualquer modo o livro vale a pena, nem que seja só pelas sequências dos acidentes, essas sim muito bem desenvolvidas.




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Areia nos dentes - Antônio Xerxenesky

Esse não é exatamente um lançamento. Areia nos dentes, de Antônio Xerxenesky, foi lançado em 2008 pela Não Editora e agora ganha uma reedição da Rocco. Fiz uma resenha completa aqui, mas se você está com preguiça de clicar no link ou de ler o texto inteiro, eis tudo que você precisa saber sobre o livro: Areia nos dentes é um faroeste com zumbis, que brinca com metaficção e é divertidíssimo. Leia.






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Uma História à Margem - Chacal


Não é preciso dizer muito: livro de memórias de Chacal e Chacal é O cara. Da infância do poeta aos dias de hoje, passando pela efervescência da poesia marginal dos anos 70 e pela a agitação cultural do CEP 20.000, em plena atividade no Rio de Janeiro. Imperdível.
Trecho: "um-motor-ligado no meio da noite fria, vazia, silenciada. outros motores riscam o asfalto da noite. outros seres empreendem a jornada. entre o passado e o futuro. entre o futuro e o passado. tudo-no-presente. tudo-no-presente. tudo-no-presente. o som que risca o silêncio aqui, agora, deixa um rastro na memória e vira linguagem. o silêncio não aparece. nada aparece. está escuro e silêncio. apenas o-motor-ligado me esperando para a longa jornada. aos seios de duília? melhor não. uma tumultuada, uma indecifrável jornada para dentro de mim. da linguagem. da minha linguagem. da minha vida. um-motor-ligado me espera no silêncio da noite. tudo escuro. o-motor-ligado e uma porta de carro que fecha. o carro parte. e risca o silêncio. acende a linguagem. eu continuo aqui. ou não?"


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quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Resultado do sorteio de "Involuntário"

O sorteio foi feito pelo Random.org e o resultado foi: 6.

O sexto comentário pertence a Solléria Menegati. Entraremos em contato com a sorteada por email e, se dentro de uma semana, não obtivermos resposta, será realizado outro sorteio.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Lançamento e sorteio de "Involuntário"



Aos poucos Juiz de Fora vai sendo invadida por uma nova safra de escritores. O Eco-Perfomances Poéticas, que todo mês leva aos palcos do Mezcla poetas convidados a lerem textos autorais, já é um sintoma disso. A cada edição surgem novas caras, novos versos, tanto no elenco, como no microfone aberto. E um desses poetas, que já vem mostrando sua literatura no blog Otário Involuntário, coloca agora na rua suas poesias no formato impresso. A partir da semana que vem você já poderá ter nas mãos Involuntário, livro de estréia de Luiz Fernando "Mirabel" Priamo. O lançamento será no dia 16 de setembro, quinta-feira, às 20h no Buena Vista Café (Rua Braz Bernardino, 211, Centro, Juiz de Fora).
E no aquecimento para o lançamento de Involuntário, você confere aqui no GG#001 dois poemas de Luiz Fernando Priamo, "Nota da manhã" (também publicado no jornal Plástico Bolha nº 28) e "OCO" e ainda um vídeo do próprio autor lendo "Masculino de Freud" na edição de setembro do Eco-Performances Poéticas.

*

Nota da manhã

Comendo sem dó, cuspindo lá.
Rindo de todo sol que bate na corda.

Esse despropósito musical sem pares
é o que ouço todas as manhãs.

Na letargia de uma sinfonia desconexa
que nem Cage conseguiria subverter.

Caindo em pontes, escorrendo em transições,
forço riso, forte traço melódico e melodramático.

Sem fé ou ré realizo o trancar de cara e porta.
Sem si me perco na batida da rua.


*


OCO

Para cada dia de perdão
são nove de sacanagem.
Nas mãos de um velhote
a fé cega e a carne
no final de sua idade.

Passa a semana coçando,
na inatividade de sua vida.
Ao final de semana, dois dias,
um para pecar no puteiro,
outro para rezar por Maria.

Nada mais resta senão molestar o terço,
nada lhe dá mais prazer
do que os mistérios gozosos.
Os pecados de suor e saliva
serão cobrados no purgatório.

*






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E tem mais: vamos sortear um exemplar de Involuntário, gentilmente cedido pelo autor, aqui no blog. Para participar do sorteio basta responder à pergunta "Por que você quer ganhar o livro Involuntário?" nos comentários dessa postagem e não se esquecer de deixar seu email. É necessário também que você seja seguidor do blog. Sortearemos o vencendor no dia 16 de setembro, através do número do comentário (o primeiro comentário é o número 1, o segundo é o número 2, etc) e divulgaremos por aqui (pode confiar, vamos sortear direitinho, através do Random.org). Enviaremos um email ao vencedor (que tem um prazo de 3 dias úteis para se manifestar), que poderá buscar seu exemplar no lançamento do livro (caso seja de Juiz de Fora) ou recebê-lo pelo correio. Boa sorte a todos!

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quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Que livro mudou sua vida?

Pergunta difícil. Mas alguns corajosos se propuseram a responder.

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26 poetas hoje - Heloisa Buarque de Holanda (org.)

Durante muito tempo resisti à Poesia Marginal por acreditar que se tratava simplesmente de um projeto literário de desbundados cariocas. Essa resistência cedeu quando me aproximei de forma mais madura do tempo histórico dessa turma. Além disso as minhas incursões no rock setentista foram importantes para compreender ainda mais a lógica dessa geração. O 26 poetas hoje traz uma série de poetas grandiosos como Waly Salomão, Cacaso e Ana Cristina César, e ainda nos permite observar como uma outra turma ficou pra trás. Creio que curiosamente a poesia marginal conseguiu separar "o joio do trigo" imortalizando aqueles de maior consciência de linguagem. Esta obra me ajudou a conceber a poesia antes de tudo como espetáculo, performance, boemia, loucura, jovialidade, anti-caretice.”

Tiago Rattes é professor de história e poeta.

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Encontro marcado – Fernando Sabino


O livro que mudou minha vida foi Encontro marcado, do Fernando Sabino. Li quando tinha dezenove anos, rabiscava os meus primeiros escritos e queria aprender mais sobre o ofício, mas tudo que lia e estava disponível em minha casa (Machado de Assis, Dostoiévski, Milan Kundera, etc) era demais, me esmagava, jamais iria escrever daquele jeito, era melhor desistir. Com o Encontro marcado, finalmente lia alguma coisa que podia imitar. Não foi o escritor que abriu a minha cabeça, mas foi o que me mostrou que escrever não era tão difícil, e isso me deu autoconfiança. Valeu, Sabino!

Anderson Pires é professor de literatura, escritor e pai da Janaína.

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Antologia poética – Vinicius de Moraes

Tenho na lembrança o primeiro poeta que me fez lacrimejar... aos quatro ou cinco anos... era Vinicius de Moraes. Ao ouvir o poema/música “A Porta” na voz de minha mãe, senti pena, de imediato daquele objeto que era feito de matéria morta. Foi o primeiro poeta que apareceu em minha vida e, como não poderia deixar de ser, o primeiro livro que busquei. Ainda criança, uma antologia do “poetinha” caiu em minhas mãos (uma fotocópia na verdade, para dar o tom transgressor!) e pude ler, despido de muitos valores, aqueles versos. Depois disso, descobri que poesia era um afrodisíaco e “Minha Namorada”, “Soneto de Fidelidade”, entre outros foram muletas para minha timidez. Bom, na época em que descobri, ainda não entendia o que significaria a poesia para mim, mas hoje sei que fez diferença, por isso um saravá ao capitão do mato Vinicius de Moraes.

Luiz Fernando “Mirabel” Priamo é poeta, músico e jornalista.

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Pergunte ao pó – John Fante

Quando Bukowski, no prefácio de Pergunte ao Pó, grita “eu sou Bandini, Arturo Bandini”, acho que já aponta o motivo pelo qual John Fante escreveu um livro que agora cito como o último livro que mudou minha vida. Talvez vontade de não ser Camila porque Camila, aos olhos de Bandini, é inconstante e perdidamente apaixonada por outro. Talvez por vontade de ser o famoso e brilhante escritor Arturo Bandini, talvez por compartilhar de seu coração negro. Talvez porque o livro trate das ruas e das pessoas e da escrita de um jeito que eu pense que está tudo vivo e acontecido e tenha vontade de andar por onde Bandini passou. Talvez pelo que eu não seja e não tenha agora, seja um excelente livro. Até que venha o próximo, que nunca desbanca o anterior, mas o acrescenta.

Lia Duarte Mota é aluna do mestrado em literatura brasileira da PUC-Rio

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O vôo da madrugada – Sérgio Sant’Anna

Esse tipo de escolha é difícil demais, ainda mais para gente como eu que tem mania de fazer Top 5 de tudo (sim, Rob Fleming me ensinou direitinho). Vou ficar sem dormir pensando que poderia talvez ter escolhido outro livro, mas acho que esse é o que menos vai me tirar o sono. Sérgio Sant’Anna é o melhor escritor brasileiro vivo e quem não concorda é maluco. O vôo da madrugada (2003) é seu livro mais recente e nele Sérgio desenvolve sua obsessão com a linguagem e o problema da representação da realidade, que já vinha norteando sua obra desde O concerto de João Gilberto no Rio de Janeiro (1984). Sérgio foi o escritor que me mostrou como são tênues e ao mesmo tempo distantes os limites entre arte e vida, linguagem e representação. Ler esse livro é gritar “gênio” ao fim de cada conto (sim, eu faço isso) e nunca mais olhar a literatura do mesmo jeito. Sérgio Sant’Anna faz questão de jogar na cara do leitor o quanto a arte é simulacro, reafirmando sempre que literatura não é vida, mas também sugerindo que talvez seja e, se for, como poderia não ser? Complicado e contraditório sim e é aí que está a graça. Fazer a arte do seu tempo: esse é o compromisso de Sérgio Sant’Anna. E ele cumpre com muito, muito estilo."

Laura Assis é aluna do mestrado em estudos literários da UFJF.

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Memórias de minhas putas tristes - Gabriel García Márquez

Não sei quando exatamente a literatura passou a mudar, de fato, a minha vida... mas sei que isso aconteceu. Um livro que me marcou muito, não sei quando li, nem como eu tomei conhecimento dele, talvez por ser um best-seller. Mas, pouco importa, a verdade é que Memórias de minhas putas tristes mudou alguma coisa em mim e eu enlouqueci: quis ler todos os livros do Gabriel García Márquez, esse colombiano que fez com que eu me apaixonasse por Santiago, Florentino Ariza e Fermina Daza, pelo amor absurdo de Sierva Maria e o Sacerdote Caeytano, por toda a família Buendía, me fez querer mudar pra uma cidade chamada Macondo onde tinha um linha de trem, um bananal e uma família inacreditável. Tudo isso por causa de um velho de 90 anos e nenhum amor.”

Pamella Oliveira é aluna do curso de Letras da UFJF

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O mistério do trem azul - Agatha Christie

Eu poderia escolher Saramago, ou Harry Potter, mas, pra quem me conhece, seria previsível. Então opto por um livro que pode ser ignorado por muitas pessoas, mas tem um significado especial pra mim. Aos 11 anos, peguei O mistério do trem azul na biblioteca do colégio e, em meio a protestos de professores ("isso não é livro pra sua idade, vai ler O pequeno príncipe"), me apaixonei pela Agatha Christie, com sua fórmula policial pronta e já batida, mas que sempre acaba funcionando. E foi ali que começou minha paixão pelos livros, que acabou por mudar o curso da minha vida e acabou me trazendo aqui, nesse blog.”

Larissa Andrioli é aluna do curso de Letras da UFJF

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Mas e você? Que livro mudou sua vida?
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segunda-feira, 2 de agosto de 2010

A arte da deseducação

Erotismo, liberdade e vida em Cosmologia do impreciso, de Oswaldo Martins



Um texto, independente de seu conteúdo, é sempre um fato cultural. Portanto, depende da época, dos valores, do escritor, dos grupos sociais, da cultura em que foi elaborado. Assim, era de se esperar que numa sociedade cada vez mais explícita, que exibe relações sexuais e outros programas de cunho sensual em horário nobre, a recepção a um livro de poemas eróticos fosse não agradável, mas no mínimo crítica – que o público o recebesse como recebe qualquer outro livro, e em torno dele girassem discussões como as que giram em torno de Saramago ou qualquer outro escritor, ou seja, que o texto publicado fosse problematizado. Certo? Não. Em 2008, o Brasil se viu no meio de uma discussão sobre até que ponto o moralismo e a hipocrisia ainda estariam inseridos na sociedade. Após publicar Cosmologia do impreciso (7Letras, 2008), seu quarto livro, e ser convidado pela própria diretoria da Escola Parque, onde trabalhava, para falar na sala de aula sobre seu trabalho de escritor, Oswaldo Martins foi demitido. O motivo: escrevia poesias de conteúdo erótico-pornográfico.

Cosmologia do imp
reciso é, antes de tudo, um belíssimo livro: combate a separação entre corpo e espírito para defender a liberdade e a afirmação da vida acima de tudo. Apropria-se da tradição poética, faz diversos intertextos com artes plásticas e música e atinge um objetivo importante: transgride. É sempre perpassado pelo passo à frente, pela afirmação de algo novo ou que, ainda que já tenha sido afirmado, continua fora de circulação. Uma ideia essencial para a compreensão de Cosmologia do impreciso é a da celebração do corpo e do espírito. Pois é disso que trata a poesia de Oswaldo: celebração. E, a partir disso, transgressão, libertação. A epígrafe geral do livro fala deste par: “a boca é vinho tinto / as mãos são de absinto / e a cintura dela é a estrela por nascer” – os versos de Aldir Blanc misturam elementos ligados ao prazer carnal (boca/vinho, mãos/absinto, cintura) com o elemento sublime, puro (estrela). Mais que mistura, une no mesmo corpo e torna, então, o corpo e o espírito inseparáveis.

Se já é impossível ler um livro de Oswaldo Martins sem ser sempre assaltado pela mesma palavra, escrever sobre o poeta sem tê-la em mente é impensável. A ideia é sempre transgressão: o que dizer da poesia que questiona abertamente os valores da sociedade e diz “caralho”, “buceta” (sim, grafada com u), “foder”? Em Cosmologia do impreciso, sexo e vida se confundem. “Bucetas” pode dar lugar a “Eros” – e Eros não é menos que vida.

quando quadros e livros
bucetas são

não são bucetas que se levam
aos livros e quadros

senão que quadros e livros
buscam

o que de bucetas
são


O caráter transgressor da poesia de Oswaldo não está somente na exaltação do sexo, como o poema citado mostra. Na subdivisão “Estudo para pinturas sacras”, do Cosmologia, o poeta volta-se para a religião: começa desconstruindo a imagem de “virgem” de Maria e passa então a uma série de suposições que desmontam os valores da sociedade cristã ocidental. Esta parte do livro é composta por 11 poemas, todos devendo ser lidos com a palavra “se” no início.

4
cristo nas bodas de caná houvesse percorrido o colo das moças

e com os olhos inebriados de tesão
tocasse aqui uma teta
ali as curvas

as portentosas nádegas
da mulher que se oferecia

mais que a morte
seria a carne

nossa unção


A adoção do erotismo como postura política é uma visão possível durante a leitura de Cosmologia do impreciso. Propor um mundo mais livre dos entraves colocados pelos valores da sociedade ocidental faz parte da proposta modernista e atinge diretamente a formação intelectual de Oswaldo Martins. O erotismo não é a sexualidade, e sim sua metáfora, e o texto erótico é a representação do erotismo. Mais: o texto erótico pode ser também uma metáfora da liberdade. E cada poema de Oswaldo Martins é sempre uma afirmação disso. Esse caráter pode ser entendido se pensarmos que Martins não parte de um ato sexual para criar sua poesia – ele utiliza elementos do sexo para problematizar outras questões, como é o caso de “antimetafísica das apreciações”:


quadros
assim como livros

cheiram a buceta

há livros e quadros
bolorentos

dir-se-iam uma buceta
sem uso

como dizem das bucetas
bem usadas

há quadros e livros
que relampejam


A “buceta” do poema não é física. É um elemento que remete à sexualidade em geral e pode, portanto, ser relacionada à arte, já que é isso que Oswaldo propõe: a transformação da arte em sexo, em fonte de prazer, antes de qualquer coisa. Por isso, Cosmologia do impreciso é mais que um belo livro: é um livro movido por uma tese que atinge a todos nós e a qual todos deveríamos pensar e discutir: até que ponto falta tornar nossa vida mais sexual, no sentido mais erótico da palavra.


*

Oswaldo Martins nasceu em Barbacena, MG, em 1960. Formou-se em Letras na PUC-Rio. Mestre em Literatura Brasileira pela UERJ, é professor de 2º e 3º graus. Publicou os livros desestudos (2000), lucidez do oco (2002) e minimalhas do alheio (2004), todos pela 7Letras.

*

Cosmologia do impreciso
Oswaldo Martins
Editora 7Letras
124 páginas
Preço: R$25,00

sábado, 31 de julho de 2010

Resultado do sorteio de "Amoramérica"

O vencedor do livro "Amoramérica", d'Os Sete Novos, é: André Lucas Fernandes! Parabéns! =)


Vamos enviar um email ao sorteado e esperar, por 7 dias, sua resposta enviando seu endereço. Caso o sorteado não entre em contato conosco, outro sorteio será realizado.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Sorteio do livro "Amoramérica"



No dia 3 de junho, os poetas cariocas Mariano Marovatto, Domingos Guimaraens e Augusto de Guimaraens Cavalcanti - Os Sete Novos - vieram a Juiz de Fora participar do Eco. Depois de uma ótima conversa entre eles e as editoras do Geleia, um livro foi ofertado em nome do blog e ele será sorteado entre nossos leitores. O sorteio vai ser feito pelo sorteie.me e ocorrerá da seguinte forma: quem quiser concorrer ao livro deve postar a seguinte mensagem em seu twitter: "Eu sigo o @GeleiaGeral001 e quero ganhar o livro d'Os Sete Novos! Também quer? Acesse: http://migre.me/XaaL". Depois poste no campo dos comentários desta postagem seu email e o endereço do seu twitter. O sorteio será realizado dia 30 de julho.


Pra quem não conhece Os Sete Novos, aqui estão os vídeos das leituras no Eco de junho.



quarta-feira, 23 de junho de 2010

O crescimento do jornalismo literário no país

Maíra Valle



Na época das redes sociais como twitter, orkut e facebook, em que o jornal diário, na forma como o conhecemos, está ameaçado e a internet está em todo lugar, qualquer pessoa pode produzir e distribuir textos pela rede. Há uma profusão de informações e imagens, enquanto os conteúdos se tornam cada vez mais superficiais. É comum encontrarmos os mesmos textos fornecidos pelas agências internacionais de notícias em diversos sites. Entretanto, um fenômeno interessante tem acontecido neste terreno árido da mídia do século XXI: o crescimento do jornalismo literário, uma vertente jornalística que utiliza de recursos estilísticos próprios da prosa para enriquecer a qualidade dos textos produzidos. Não se trata de ficção, pois não é literatura, e ainda mantém o foco na informação, como enfatizou o jornalista Matinas Suzuki, em palestra proferida no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp. Por isso, alguns autores preferem a denominação de literatura ou narrativa de não-ficção.

O jornalismo é historicamente dividido em duas subáreas principais: opinativa e informativa. Normalmente a parte opinativa é atribuída às pessoas que possuem prestígio e respaldo para abordarem determinados temas como ciência, política, relacionamentos, entre outros, e por isso os jornais estão lotados de colunistas que não são jornalistas, mas que tem respaldo perante a sociedade para emitirem sua opinião. À maioria dos jornalistas cabe a parte informativa, que é ensinada nas faculdades através de técnicas para se obter um texto objetivo e imparcial que visa apenas a ofertar a informação. O jornalismo literário é um movimento contrário ao uso do objetivo lead (o primeiro parágrafo dos textos jornalísticos que pretende informar ao leitor o que aconteceu, onde e quando), pois prioriza a subjetividade e profundidade. Com a resolução do fim do diploma para se exercer a profissão, é provável que cada vez mais pessoas com formações em outras áreas comecem a produzir textos jornalísticos e, a partir daí o estilo do texto mude cada vez mais, provavelmente se aproximando ainda mais da literatura.

Essa mudança talvez faça o jornalismo retornar aos seus primórdios, quando ainda não havia essa delimitação clara do que era literatura e do que era jornalismo. Nos idos do século XVII e XVIII os jornais ainda pareciam livros e mesmo a partir do século XIX quando o jornal começou a se profissionalizar, os escritores de renome como Balzac e Victor Hugo, invadiram os jornais e dominaram as redações publicando os famosos folhetins, que aumentavam o número de leitores e davam mais prestígio às publicações. Foi no século XX que os cursos de jornalismo surgiram e o jornal adquiriu o caráter de imprensa monopolista que conhecemos e perdeu a ligação direta com os escritores.

Só então na metade do século XX surge o jornalismo literário. Muitos creditam seu nascimento à edição especial de 1946 da revista americana The New Yorker, considerada a maior representante do gênero mundialmente, em que foi publicada a emblemática reportagem sobre os sobreviventes de Hiroshima. O jornalista John Hershey teve a grande idéia de contar a vida de quatro pessoas 24 horas após o detonamento das bombas. A reportagem foi publicada um ano após Hiroshima numa edição inteira da revista. Segundo Matinas a grande idéia do jornalista foi abordar o aspecto humano. “Hershey teve a brilhante idéia de em vez de contar o que estava acontecendo um ano depois, achou que tinha que fazer uma historia humana. Todo mundo já tinha falado sobre o numero de mortos, clima do ano, sobre a bomba, mas ninguém tinha vislumbrado, do ponto de vista humano, o que era.” Posteriormente, entre as décadas de 60 e 70, o movimento estadunidense do New Jornalism deu corpo ao gênero, com representantes de peso como Gay Talese, Tom Wolfe, Norman Mailer e Truman Capote, cujo livro-reportagem A sangue frio é considerado outra das obras-primas do jornalismo literário. Neste livro, o autor realizou o jornalismo investigativo de um crime bárbaro do assassinato de uma família inteira, projeto que levou seis anos para ser concluído. O autor acompanhou por anos os criminosos até a execução destes, fornecendo uma narrativa detalhada, em que havia a descrição do perfil de todos os envolvidos, o que humanizou não só os assassinados, mas também os seus executores.

Ainda hoje o jornalismo literário é marcado pelo aspecto do drama pessoal, que dá profundidade aos textos. Nas palavras de Felipe Pena, professor da UFF: “Afinal, o que é jornalismo literário? Não se trata apenas de fugir das amarras da redação ou de exercitar a veia literária em um livro-reportagem. O conceito é muito mais amplo. Significa potencializar os recursos do jornalismo, ultrapassar os limites dos acontecimentos cotidianos, proporcionar visões amplas da realidade, exercer plenamente a cidadania, romper as correntes burocráticas do lide, evitar os definidores primários e, principalmente, garantir perenidade e profundidade aos relatos. No dia seguinte, o texto deve servir para algo mais do que simplesmente embrulhar o peixe na feira.” Ao fugir dos prazos das redações e da necessidade de vender notícias da última hora, há espaço para pesquisar, entrevistar, refletir e construir o texto com o cuidado necessário para que ele se torne algo relevante. Como a idéia do poeta parnasiano Olavo Bilac em seu famoso poema “Profissão de Fé”, a palavra deve ser trabalhada com a precisão e o cuidado de um ourives.
A tarefa de definir o jornalismo literário é bastante árdua, pois afinal, trata-se de um gênero híbrido. Ainda há bastante discussão na academia sobre suas definições, história e rumos. Entretanto, não é difícil reconhecer um texto de jornalismo literário. Segundo Daniela Werneck, mestre em Teoria Literária pela UFJF e aluna de letras da UFMG, a identificação depende da postura do autor: “Se o texto que se encontra presente nos meios de comunicação de massa se presta a mostrar a realidade daquela situação que está sendo narrada, e isso é, praticamente, atuar como um etnógrafo, pesquisando e vivendo com sua fonte para que sua vivência seja conhecida mais de perto, o jornalista está fazendo jornalismo literário ou como costumo dizer, narrativas da vida real. O jornalista que foge à matéria de massa, sem contextualização, fria e com intenções puramente mercadológicas, enxergando seu ofício como uma missão, é o verdadeiro jornalista literário.” Outra forma é reconhecer alguns dos recursos literários utilizados como humanização dos personagens, realismo, técnicas de diálogo, profundidade de análises, dentro outros, que não são características do jornalismo diário comum.

No Brasil o jornalismo literário apareceu por volta por dos anos sessenta, com a revista Realidade, que mesmo fazendo parte do grande grupo editorial Abril, primava por textos bem produzidos e atraentes. Apesar de sua curta vida, foi publicada apenas por dez anos, entre 1966 e 1976, a revista foi um divisor de águas no panorama do jornalismo brasileiro, abrindo perspectivas para outro modo de escrever. Para Daniela, o fato de esta época coincidir com a ditadura militar foi uma das causas do surgimento no gênero no país: “Um período em que o jornalismo aos moldes do new journalism começou a ser realizado no Brasil, foi na década de 60 e 70, no auge da ditadura militar. Uma das explicações para tal produção foi que os jornalistas começaram a ter seus direitos cassados e alguns, para continuarem a lutar em prol da liberdade, continuaram suas ‘manifestações’ na literatura, com os romances reportagens.” Ao longo de nossa história vários dos maiores escritores brasileiros trabalharam em jornais: Machado de Assis, Carlos Drummond, Clarice Lispector, entre tantos outros. Ainda hoje há espaço para eles, como o poeta Ferreira Gullar, que tem uma coluna fixa ao domingos na Folha se São Paulo. Porém, não podemos dizer que estas participações sejam a faceta atual do jornalismo literário, pois estes textos passam muitas vezes mais por artigos opinativos do que qualquer outra coisa.

Foi Matinas Suzuki o responsável pelo ressurgimento do gênero no país, ao propor em 1999 à editora Companhia das letras a idéia do lançamento de uma coleção de grandes obras do jornalismo literário, da qual ele é ainda hoje o editor. Ele conta como se deu a idéia, num momento em que o estilo estava esquecido no Brasil: “Quando pensamos em fazer essa coleção, o assunto no Brasil estava bem adormecido. A Universidade de Nova York montou no final de 1999 uma pesquisa para estabelecer quais os 100 textos mais importantes para o jornalismo. Quando eles divulgaram a lista - com documentários também - percebi que nada daquilo estava acessível no mercado brasileiro. Ou porque nunca tinha sido editado ou já há muito tempo fora de catálogo... Havia uma série de textos importantes que mereciam uma nova edição. Propus à Cia. das Letras e eles gostaram”. Quando o título Hiroshima de John Hershey foi relançado em 2002 rapidamente entrou na lista dos dez livros mais vendidos. Esse fato mostra como um texto jornalístico pode ser atemporal se for bem escrito. Esse foi o passo inicial para que outras empresas descobrissem o filão e passassem a investir no gênero.

Uma dessas iniciativas é a revista Serrote, cujo editor é o próprio Suzuki. A publicação é do Instituto Moreira Salles, famoso por seus investimentos em projetos culturais, como os cinemas Espaço Unibanco. Outro projeto do grupo, especialmente do documentarista João Moreira Salles, é a revista Piauí lançada em 2006 e atualmente a maior representante deste estilo no país. A revista mensal não se preocupa em oferecer notícias frescas aos seus leitores. Mas se aventura por temas tão improváveis quanto à queda do Império da Sadia, os estudiosos de nuvens ou a fila no SUS para troca de sexo, com uma fluidez que é impossível não lê-la do começo ao fim. Não importa se trata de política, cinema ou ciência, pra quem gosta de boa leitura, não tem erro. Há também espaço para outras manifestações artísticas como quadrinhos, fotos e poesia. Não se pode dizer que há nada parecido na mídia escrita brasileira. Ao andar na contramão a revista já angariou uma comunidade de fãs ardorosos no Orkut, o que prova que há sim, espaço pra este tipo de jornalismo no país.

Outro fenômeno interessante é o número crescente de blogs responsáveis por divulgar a produção literária de desconhecidos. Que até podem ficar famosos a partir de tal intento, como a blogueira gaúcha Clarah Averbuck e a paulistana Tati Bernardi, que possuem centenas de ávidos leitores e já publicaram livros. Não podemos negar que há gente interessada em textos de qualidade no país. Porém, é bem verdade que a eles está relegado o espaço alternativo, que hoje em dia se resume ao vasto mundo da internet. Para Daniela Werneck, tudo no fim tem a ver com o poderio econômico que: “Como a maioria dos meios de comunicação é controlada pelo poder econômico e o que interessa é o lucro, o mercadológico ainda se impõe, deixando para os meios alternativos essa produção de matérias humanizadas e, por isso, inseridas no que se pode chamar de jornalismo literário”. Apesar do crescimento do estilo no país o que hoje impera por aqui é a imprensa de celebridade, ou mais claramente, as revistas de fofoca. Tomara que outros grupos empresariais percebam o espaço que há para a produção jornalística de qualidade. E mesmo que seja por vias alternativas, que essa fase se perpetue por bastante tempo: vida longa ao jornalismo literário!


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Maíra Valle nasceu em 1984 em Juiz de Fora. Atualmente se aventura pela Paulicéia desvairada, mas como boa mineira desterrada, é bairrista e continua exaltando a terra natal. É bióloga pela UFJF, mestre em fisiologia humana pela USP e agora cursa o doutorado na mesma área. Acabou de finalizar a especialização em Jornalismo científico na Unicamp.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

No dia seguinte ninguém morreu

Todos sabemos que cada dia que nasce é o
primeiro para uns e será o último para outros
e que, para a maioria, é so um dia mais.
José Saramago (1922 - 2010)


A primeira vez que peguei num livro dele foi há aproximadamente 3 anos. Depois de esperar séculos na fila da Biblioteca Universitária, meu irmão finalmente conseguiu acesso à tão procurada obra. Em cima do móvel de madeira, o livro esperava por ser lido. Já ouvira falar tanto sobre ele, que o abri com certo receio. Histórias de terapia e dificuldade para enxergar após sua leitura perpassaram minha mente enquanto eu lia, sem fôlego, aos primeiros parágrafos. O ritmo incessante me arrastava e meu coração saltou quando li a primeira fala, Estou cego. Demorei mais de um ano até ter acesso ao livro novamente, mas quando o tive em minhas mãos, devorei-o. Foi como um paraíso distorcido. Confortável, aprazível, ele não era. O gostoso era ver a boa literatura, só isso. Não importava a angústia, o nervosismo e a revolta ao fim de cada capítulo; só importava o fato de ter em minhas mãos um exemplar da perfeição. Alguns outros vieram depois, e então conheci um homem à procura de um barco, uma península que rachava, a greve da morte, um Jesus diferente. Mas os cegos nunca me deixaram, nem creio que um dia o farão. O senhor mudou a minha vida, Sr. Saramago, e eu lhe agradeço por isso.

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Texto originalmente publicado no blog cahier, em 27/03/2009: http://bit.ly/d29kHI

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Cobertura do "Eco - Performances Poéticas"

O já tradicional Eco - performances poéticas teve mais uma edição de sucesso. Depois de lotar o Espaço Mezcla em maio, repetiu o feito, dessa vez num feriado e com elenco importado. Os convidados eram Os Sete Novos (Mariano Marovatto, Augusto de Guimaraens Cavalcanti e Domingos Guimaraens) e Lucas Viriato, poetas cariocas. Marovatto, Augusto e Domingos leram poemas do Amoramérica (7Letras, 2008), livro que reúne os textos escritos, segundo eles, "a sete mãos", e Lucas mostrou um pouco dos seus livros Memórias Indianas (Ibis Libris, 2007) e Retorno ao Oriente (7Letras, 2008), ambos sobre suas viagens para a Índia.

O microfone aberto também foi concorrido: foram 13 inscrições. Anelise Freitas causou furor com sua pornografia, André Capilé apresentou uma tradução de "Holy", de Allen Ginsberg, e Julia Campos subiu no palco para dizer que gostou tanto d'Os Sete Novos que iria ler mais um pouco de Amoramérica.


Casa cheia em pleno feriado.


Tiago Rattes apresentando.


Pedro Paiva nas pick-ups.


Os convidados.


Domingos Guimaraens.


Augusto de Guimaraens Cavalcanti lendo Amoramérica.


Mariano Marovatto.


Lucas Viriato.


Lucas Viriato, editor do Plástico bolha, trouxe o jornal para apreciação mineira.


André Capilé no microfone aberto.


Dois e Anelise Freitas no palco.


Julia Campos lendo os poemas que gostou de Amoramérica.


Felp Scott no microfone aberto.


Fotos: Thais Thomaz e Márcia Santos

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segunda-feira, 24 de maio de 2010

Quando o estranho não é tão estranho assim

A realidade do irreal em Fora do lugar de Rodrigo Rosp


Desde a ótima capa – mais uma bela realização de Samir Machado de Machado, que vem fazendo grandes trabalhos, como a capa de Raiva nos raios de sol, de Fernando Mantelli – Fora do lugar (Não editora, 2009), segundo livro de contos do carioca “naturalizado gaúcho” Rodrigo Rosp, já começa, de alguma maneira, a anunciar o tom de sua narrativa.
Um sofá no meio da estrada. É estranho? Sim. Mas existem sofás e existem estradas. E se um sofá está no meio de uma estrada, isso aconteceu por algum motivo. Há uma história por trás desse deslocamento. E é justamente esse tipo de história, a trama que, escondida, motiva a inadequação, que Rosp se propõe a contar.
O conto homônimo ao livro é um bom exemplo de como funciona essa dinâmica do insólito possível. Tropeçar em uma chinchila dentro de casa, guardar porta-retratos dentro da geladeira, ter torradeiras e geléia na estante, cachecóis no lustre, ver livros de auto-ajuda que pretendem cometer suicídio... todos esse elementos parecem bastante estranhos e fora da realidade. E são. No entanto, é na resolução do conto que se encontra a chave dessa inadequação, afinal, quem nunca sentiu o mundo sair dos eixos e se tornar um lugar sem lógica depois de ser abandonado por um grande amor?
Do mesmo modo que não é tão esquisita assim a tentativa de negação da passagem do tempo empreendida pelo protagonista de "Funeral dos relógios” pois, se a execução é peculiar, a motivação é bastante conhecida. O caos, portanto, não deixa de ser ao mesmo tempo estranho e, de alguma maneira, familiar. Impossível não se lembrar de Sigmund Freud e seu conceito de unheimlich. Resumidamente: de acordo com Freud, o unheimlich (traduzido para o português como o “estranho familiar” ou, simplesmente, o “estranho”) é algo que estava oculto, recalcado, mas de repente vem à tona, trazendo consigo, além do estranhamento, uma sensação de familiaridade. E é mais ou menos isso que ocorre em alguns dos contos de Rodrigo Rosp.
Merecem destaque também os contos que de algum modo versam sobre a própria literatura, como “Maldito”, que subverte a ideia de sucesso e fracasso da sociedade de consumo, e “Ideia ideal”, uma narrativa sobre como as grandes ideias podem ser pequenas e vice-versa. A tensão também é muito bem conduzida por Rosp, como comprovado em “O carrasco” e “Linguista”. Desse último, destaque para o trecho inicial, que se mostrará irônico e surpreendente diante da revelação final da narrativa:

Escrevo, pois é o que me resta. Apenas isso importa dizer agora; vou ser direto e contar de uma vez a história da mulher que mudou minha vida.
Eu a conheci em um sarau. Quando pus os olhos nos dela vi mais que costumava ver. Usei a fala e a interpelei. Disse-me que estudava língua mortas, em especial o latim – éramos da mesma área.

“Agora, a dor se foi”, conto que encerra o livro, é especialmente interessante. Não apenas pela narrativa na falsa segunda pessoa, mas também pela brincadeira com o intertexto acadêmico embutido na trama. Para não revelar o enredo, por hora basta dizer que Roland Barthes, caso lesse o texto, provavelmente esboçaria um sorriso no final.
A ficção de Rodrigo Rosp é, portanto, mais do que apenas fantástica ou insólita. O nonsense aparece como símbolo da subversão dos elementos, que se encontram deslocados e em tensão. Ao fim da leitura, além da constatação de que Rosp é um ótimo contista, fica também a sensação de que nada é mais absurdo do que a própria realidade.

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Rodrigo Rosp é autor de A virgem que não conhecia Picasso (Não Editora, 2007). Fora do lugar é seu segundo livro de contos.

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Fora do lugar
Rodrigo Rosp
80 páginas
Preço: R$ 16,00

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quarta-feira, 12 de maio de 2010

Cobertura do "Eco - Performances Poéticas"

Desde junho de 2008, na primeira quinta-feira do mês, acontece em Juiz de Fora o Eco - Performances Poéticas. A cada edição o evento leva aos palcos do Mezcla um elenco diferente de poetas convidados para ler textos autorais. Depois da leitura dos convidados, o microfone aberto dá também ao público espaço para ler seus textos.
A equipe original, formada por Anderson Pires e André Capilé, passou a contar também com Pedro Paiva logo nas primeiras edições e, mais tarde, com Tiago Rattes. Atualmente os organizadores do Caderno Encontrare, José Alexandre Abramo e Luiz Fernando "Mirabel" Priamo, e as editoras do Geleia Geral #001, Larissa Andrioli, Laura Assis e Pamella Oliveira também fazem parte da equipe do Eco.
A primeira edição de 2010 aconteceu no dia 6 de maio às 20 horas, no Espaço Mezcla (Rua Benjamin Constant, 720. Centro – Juiz de Fora, MG).

Casa cheia.


Fred Spada, primeiro poeta do elenco de convidados.


Lucas Soares, segundo convidado: leu músicas e cantou poesias.



Diegho Vital - mais conhecido como Salles - durante sua leitura.


Raphaela Ramos: não só atriz.


Alguns dos nomes inscritos para o microfone aberto


Mirabel apresentou o microfone aberto nesta edição


Fotos: Thais Thomaz

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Comunidade do Eco no orkut

Mini-doc sobre o Eco

Eco no twitter

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