quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Entrevista com a escritora Mariana Schuchter

No fim de 2010, mais especificamente no dia 1º de dezembro, a escritora juizforana Mariana Schuchter lançou P-47, seu segundo livro. Publicado com recursos da Lei Murilo Mendes (assim como seu antecessor, o infanto-juvenil O diário de Karoline), o romance histórico narra as trajetórias do brasileiro Jorge e do austríaco Artur, desde a infância até o envolvimento de ambos nos conflitos da 2ª Guerra Mundial. Mariana concedeu ao GG #001 uma entrevista por email, na qual falou um pouco sobre o livro recém-lançado, mas também sobre linguagem, gênero, mercado e publicação.
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GG: O que te inspirou a escrever um romance histórico? Lendo o livro dá pra imaginar que você teve bastante trabalho com pesquisa. Como foi esse processo?

Mariana: Tenho consciência de que a sociedade como conhecemos hoje, em suas variadas faces – positivas ou negativas –, passou por todo um processo de evolução histórica. Esse é um dos motivos pelos quais a história sempre me instigou. Acredito muito que, para se construir uma sociedade um pouco melhor, precisamos conhecer os erros e acertos de nossos antepassados. Nesse sentido, a literatura, para mim, é um canal para com o leitor que visa estimular a reflexão acerca do mundo, dos resultados de nossos atos, e do que ainda poderemos fazer, como indivíduos reais, sem crer em utopias, para uma possível mudança da situação atual. No caso da obra P-47, tentei levar o leitor a pensar um pouco mais sobre a violência e seus reflexos na história e no nosso dia-a-dia.
Aliada à curiosidade pela história, tive a oportunidade de conviver, desde bem pequena, com um mestre, Prof. Franz Hochleitner, um austríaco que lutou na Segunda Guerra e construiu uma história de vida incrível aqui no Brasil. Assim, pude conhecer um pouco mais deste universo da guerra através de suas histórias e fotografias, principalmente quando sua biografia chegou em minhas mãos antes de ser revisada para a publicação. Pedi a autorização dele e utilizei algumas cenas em minha obra.
Para a composição dos personagens brasileiros, fiz um trabalho intenso de pesquisa na Internet e em livros. A verdade é que temos muito pouco material disponível sobre a atuação do Brasil na Segunda Guerra, que foi pequena, mas que teve resultados significativos. É claro que, para mim, isso não é motivo de exaltação, já que muitos dos nossos soldados foram sacrificados por ideologias irresponsáveis e jogos de poder.

Eu percebi que você tem um cuidado especial com a linguagem, de escrever bem dentro da norma culta, em alguns momentos até com certo rebuscamento. Isso é do seu estilo de um modo geral ou é uma estratégia relacionada a esse livro especificamente?
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Em alguns momentos do livro, propositalmente, exagero um pouco no rebuscamento com a intenção de enfatizar a ironia (o que um leitor crítico poderá perceber facilmente). No entanto, acredito que, muitas vezes, isso caracterize meu estilo, que ainda não é inteiramente definido para mim, pois vem sendo construído aos poucos, a partir de meu amadurecimento literário. Não me considero uma escritora totalmente pronta (se é que isso existe realmente), mas uma escritora em formação, que ama o que faz e se dedica de corpo e alma à arte.

Você é bastante jovem e já tem dois livros publicados. Mas já partiu direto para romances, narrativas de fôlego, enquanto a maioria dos escritores começa, geralmente, escrevendo contos, por serem relativamente menos desgastantes. Isso se deu por algum motivo especial? Você escreve outros gêneros? Seus próximos livros também serão romances?

Os romances são os meus preferidos, com certeza. Isso, porque não preciso me limitar a um espaço, posso escrever desenfreadamente até não ter mais o que dizer. Além disso, gosto de conviver com os meus personagens e suas contradições por um maior período de tempo, para poder pensar e agir como eles no momento em que escrevo. Já vi muitos atores dizerem que gostam de assumir uma nova personalidade em seu trabalho. Às vezes me sinto com uma atriz, interpretando um ser diferente de mim. Já escrevi contos, poesias e, claro, textos científicos como estudante de Letras. Gosto de escrever contos, já tive uma coluna num site onde postava um diferente toda semana; mas não tenho dom para poesia. Meus versos e rimas são pobres e não conquistam publico nenhum, nem sequer a mim mesma.
Provavelmente meus próximos livros também serão romances, adultos ou infanto-juvenis. Já pensei em publicar um livro de contos, mas isso é um projeto ainda um pouco distante, para o futuro.

A literatura no Brasil me parece estar em um momento interessante. Temos vários autores novos publicando, o que tem ficado cada vez mais fácil e sempre há a possibilidade da internet (o que não é a mesma coisa, mas não deixa de ser uma publicação). Como você vê esse momento? Acha que as possibilidades e oportunidades para os jovens escritores estão mesmo aumentando? Como foi o seu caminho até a publicação dos seus livros?

Acredito que as oportunidades são maiores do que há alguns anos, com certeza. Publicar na internet, por exemplo, ficou fácil com o surgimento dos blogs, sites de relacionamento, revistas online e outros recursos. No entanto, é preciso selecionar o que se lê, porque sabemos que, com a facilidade, também há muita publicação sem qualidade. Isso não acontece só na Internet. Já é clichê dizer que até mesmo editoras publicam muitas obras que vendem, mas que não contribuem no que se refere à cultura.
Meus dois livros foram publicados pela Lei Murilo Mendes de Incentivo à Cultura, que conta com duas bancas de especialistas para avaliação dos projetos a ela submetidos. O primeiro, Diário de Karoline, é um romance infanto-juvenil, o qual escrevi aos 12 e publiquei aos 16 anos de idade. Já o P-47 é um romance-histórico publicado recentemente, aos 24 anos. Neste período de intervalo entre um e outro, escrevi três livros infanto-juvenis, mas não achei que fossem suficientemente bons para divulgação. Hoje, penso muito mais em contribuir para com a sociedade, do que em apenas publicar.
As oportunidades estão aumentando sim, mas ainda tem muita gente boa desconhecida. Conseguir uma editora que realmente reconheça o trabalho do escritor ainda é difícil, porque, hoje, os livros são aprovados, muitas vezes, visando apenas o mercado consumidor, e não a promoção da cultura.

Sabemos que até mesmo nas Faculdades de Letras, os autores contemporâneos são deixados um pouco de lado. Se nem os “especialistas” lêem a literatura brasileira de hoje, quem lê? Quem você acha que é o público da literatura feita hoje no Brasil? Ou reformulando a pergunta: para quem você escreve?

É uma pergunta complexa, porque se o escritor pensar assim, nada mais será produzido. Com a licença da palavra, é como dar um tiro no escuro. Por isso, primeiramente, acho que é preciso gostar do que se faz, antes de pensar em possíveis leitores, porque a verdade é que pouquíssimos escritores no Brasil conseguem retorno financeiro só com a profissão. Os leitores são poucos – talvez uma parcela de curiosos e outra de aficionados por literatura (o que nem todos os estudantes de Letras são e não necessariamente precisam ser) –, mas é muito gratificante receber as críticas daqueles que se interessam. Neste momento, parece valer a pena ser escritor e poder contribuir para com a formação das pessoas, sejam elas poucas ou muitas.

P-47 está à venda na Livraria Vozes (Rua Espírito Santo, 963 - Centro, JF) e na Saraiva MegaStore (Shopping Independência, JF).

Contato com a autora: marichuc@ig.com.br

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Poemas de Milton Rezende

FERIADO

Estou sentado, sozinho, na mesa de um bar, numa dessas noites perdidas. Lá fora a chuva impede-me de sair e eu fico observando este meu impedimento que na verdade é fuga a uma determinação que não tenho tido. Olho para a chuva e vejo a sua cortina de indiferença. A chuva escorre e a água correndo parece trazer-me uma espécie de nostalgia semelhante à náusea. A chuva forma com suas goteiras algo parecido com uma delimitação de espaços, de vivências, de ansiedade pura. Aqui dentro a vida que tenho tido como espaço permitido ao corpo. Lá fora a vida que eu poderia (talvez) ter se imperasse o sonho de estar além do espaço físico, como uma antevisão de um espaço neutro concernente à paz. Acrescento ainda que esta noite é de finados e a questão é transpor ou não o limite da porta.

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OBSTÁCULOS

O homem
chega até
a vidraça
fechada
e observa
a chuva.

A chuva
chega até
o homem
fechado
e observa
a vidraça.

A vidraça
fica entre
universos
interpostos
e observa
a cena.

*

RETRATOS

No alto da estante,
numa única moldura,
guardava eu algumas
lembranças – eram três
fotografias sobrepostas.

São imagens recorrentes
de paixões vividas,
de casamentos desfeitos,
tanta coisa perdida
na trama de um tempo,
submergindo prognósticos.

Num meio de semana
veio uma chuva forte
e salpicou de goteiras
os meus livros, filmes
e os retratos na estante.

Quando eu fui perceber
as fotos estavam molhadas,
manchadas e dissolvidas.
Misturaram-se as nossas tintas.
A goteira fez o que não fizera
a vida.

*

Milton Rezende nasceu em Ervália (MG), na primavera de 1962. Escreve em prosa e poesia e a sua obra se divide entre inéditos e publicados. Entre estas últimas encontram-se: O acaso das manhãs (1986), Areia (à fragmentação da pedra) (1989), De São Sebastião dos Aflitos a Ervália – uma introdução (2006) e Uma escada que deságua no silêncio (2009). Possui inéditos os livros A magia e a arte dos cemitérios e Mais uma xícara de café, para os quais procura viabilidade editorial. Exemplares dos seus livros podem ser adquiridos diretamente com o autor através do e-mail: milton.rezende@yahoo.com.br